Promotor
Associação Divino Sospiro
Breve Introdução
Domenico Scarlatti viveu o seu tempo e foi capaz de o transformar em música, longe de se entregar ao cliché de um século XVIII arcadico e formal, construiu um modelo muito sólido e industrioso. Este é o perfil da sua música que de uma vez por todas precisa de ser vista através da lente dos aspectos saudáveis da alegria, força e latinidade radiante. Domenico Scarlatti representa o arquétipo perfeito de um músico mediterrânico, talvez o mais completo de todos aqueles que a história da música pode recordar.
A Serenata intitulada "La Contesa delle Stagioni" foi composta por D. Scarlatti em Lisboa quando este se encontrava na corte do então Rei de Portugal D. João V, estreou a 7 de Setembro de 1720 por ocasião do aniversário da esposa do Rei, a Rainha Maria Ana de Áustria. Esta composição apresenta dois sopranos, um contralto, tenor, coro, dois trompetes, duas trompas francesas, flauta e cordas. O único manuscrito existente é conservado na Biblioteca Marciana de Veneza, juntamente com outras obras provenientes da vasta biblioteca musical da infanta portuguesa e rainha de Espanha Maria Bárbara de Bragança, sob cuja proteção Domenico Scarlatti viveu na corte de Madrid até ao final da vida. Na Biblioteca Nacional de Portugal podemos encontrar o libreto impresso da serenata, do qual se depreende que existiu uma segunda parte da obra, atualmente perdida. Não obstante esse facto, esta serenata apresenta-se como um valioso marco dos exórdios da ópera em Portugal.
Sinopse
La contesa delle Stagioni de Domenico Scarlatti (1720) - o nascimento da ópera em Portugal- por Iskrena Yordanova.
Domenico Scarlatti (1685-1757) foi um dos músicos mais marcantes do séc. XVIII europeu. O seu legado, sobretudo a música para tecla, ainda hoje contínua ser largamente tocado, gravado e apreciado.
Nasceu em Nápoles como sexto filho do compositor barroco Alessandro Scarlatti e teve a sua formação musical no seio da família. O seu talento revelou-se de uma precocidade evidente. Com apenas quinze anos foi admitido como organista e compositor da Capela eal pelo vice-rei de Nápoles. A partir de 1702 viajou para várias cidades de Itália: Florença, Veneza e desde 1708 fixou a sua residência em Roma, seguindo o pai. Mimmo, como chamavam desde pequeno, foi muito apreciado pela nobreza romana e logo recebeu o cargo de mestre de capela da rainha Maria Casimira da Polónia. No período 1709-1714 para esta sua protectora compôs uma oratória, assim como sete óperas para a época de Carnaval, estreadas no teatro do palácio Zuccari com cenários do importante arquitecto teatral Filippo Juvarra. Em 1714 Scarlatti obteve a atenção do embaixador português em Roma, o Marquês de Fontes. Este mecenato foi duma enorme importância para o compositor, graças a qual ele ligou a sua carreira com a Corte lusitana e permaneceu na península ibérica até ao final da sua vida. Em paralelo, em 1713 foi nomeado assistente e desde 1714 mestre principal da Cappella Giulia de S. Pedro, a capela privada do papa: o cargo mais prestigioso para um músico em Roma. Neste período desempenhou o seu talento musical por completo, escrevendo música sacra, várias cantatas e serenatas, óperas para o teatro Capranica, mas igualmente actuou em várias ocasiões como cantor e cravista-virtuoso.
O 1719 foi crucial para a vida e a carreira de Domenico Scarlatti. Este é o ano em qual foi contratado em serviço da corte do rei D. João V. Na visão clara do soberano português para a construção duma prestigiosa igreja Patriarcal o seu cargo de mestre da capela do papa foi uma das razões principais para a sua escolha. Contudo, como demonstram as últimas investigações científicas em curso, desenvolvidos no seio do projecto internacional “F. Juvarra e D. Scarlatti e o papel das mulheres na promoção da ópera e do teatro em Portugal”, houve igualmente um desenho concreto na contratação do compositor em paralelo com o arquitecto teatral Filippo Juvarra, em virtude de construir um teatro e implementar em Lisboa a ópera italiana, tão querida à esposa do D. João V, a rainha Maria Ana d’Áustria, habituada ouvir este tipo de música na corte do seu pai, o imperador Leopoldo I.
Scarlatti chegou em Lisboa no dia 29 de Novembro 1719, «impacientemente esperado pelo Rei», como escreveu o núncio apostólico da época. Foi recebido no Palácio, onde cantou acompanhado pela rainha. Recebeu o cargo de compositor da Patriarcal e maestro de música dos infantes, e teve como alunos prodigiosos o D. António, irmão do D. João V, e a primogénita D. Maria Bárbara, que se desenvolveu como uma autêntica virtuosa da tecla e estabeleceu com Scarlatti uma relação artística que durou toda a vida. Desde o início da sua chegada em Lisboa observa-se um grande empenho na escrita de óperas, que pode ser explicado como a sua principal motivação de vir para Portugal, um facto pouco considerado pela historiografia que geralmente se concentrou no estudo do período mais tardio da sua vida, passado na corte de Madrid. No período em qual permaneceu na capital lusitana, Scarlatti escreveu 23 óperas; só entre 1720 e 1722 foram estreadas 8 serenatas para várias ocasiões da corte, 5 dos quais em 1720. Destas todas, a única obra que sobreviveu é La contesa delle stagioni, escrita para o aniversário da rainha Maria Anna, dia 7 de Setembro de 1720. Como escreveram os vários relatos da época, a serenata foi belíssima. Cantou-se no Palácio real em presença dos monarcas e toda a corte pelos músicos italianos recém-chegados de Roma (oriundos da Capella papal), os castrati Floriano Flori, Carlo Cristini e Luigi Biancardi, assim como o famoso tenor Gaetano Mossi, o preferido da rainha, que interpretou o papel principal de Outono. O enredo da serenata é bastante simples: depois da introdução instrumental em qual os trompetes revelam a solenidade regal do festejo, as estações enfrentam-se numa disputa em qual cada uma deles quere demonstrar os próprios méritos e importância. A primeira é o Inverno, seguida da Primavera, o Verão e o Outono. Claramente nesta discussão é rapidamente apurado que a mais importante é o Outono, porque é a estação em qual nasceu a rainha portuguesa. Assim, para o Outono são reservadas duas árias (enquanto as outras estações cantam só uma), e a peça acaba com a aclamação da soberana e o coro com o seguinte texto:
Sia d’Autunno la Corona
S’oggi il mondo ne cagiona
La maggior felicità. Si dia vanto a questa Reggia
Dove mentre si festeggia
Anche il Cielo eco vi fa.
A única cópia da partitura da serenata está conservada na Biblioteca Marciana de Veneza, juntamente com outras obras provenientes da vasta biblioteca musical da infanta portuguesa e rainha de Espanha Maria Bárbara de Bragança, sob cuja protecção Domenico Scarlatti viveu na corte de Madrid até ao final da vida. Depois da sua morte o espólio da Maria Bárbara foi entregue ao famoso castrato Farinelli. Infelizmente, só uma pequena parte dele sobreviveu porque os herdeiros do cantor desperdiçaram a preciosa colecção. Na Biblioteca Nacional de Portugal pode ser encontrado o libreto impresso do texto, do qual se depreende que existiu uma segunda parte da peça, actualmente perdida. Não obstante este facto, a serenata La contesa delle stagioni apresenta um valioso monumento do exórdio da ópera em Portugal, que na ocasião do seu 300º aniversário “voltou para casa”, tendo em 2020 a sua estreia moderna portuguesa.